terça-feira, 18 de novembro de 2008

Zagueiro Leandrão desabafa: "minha alegria está em jogo"

O burrifador da manhã - O zagueiro mafaldino Leandro está triste. Com a barba triste, o cabelo sem brilho e um olhar cabisbaixo, este que um dia já foi o xerife rubro-negro não consegue mais esconder: "Não aguento mais ficar fora de campo e é minha alegria de viver que está em jogo".


O calvário do atleta é grande. Ao contundir-se numa partida contra o Pinguim, o camisa 4 passou quase um mês machucado. Tentou jogar num A vs. B, mas, no sacrifício, protagonizou cenas agoniantes, mancando em campo. Fez uma única partida pra valer, ainda não totalmente recuperado, mas a dor não foi problema.


Nesta partida em questão, Leandro perdeu as estribeiras e teria, segundo o jornal a Plebe, agredido o meia Alessandro, após um tumultuado empate cedido em casa. Depois desse jogo, Leandro teve problemas conjugais, pessoais e de saúde. Sua noiva quase foi embora, sua carteira foi embora, e uma violenta febre o atacou. Daí, você faz as contas e nota que em dois meses, Leandro atuou em só um jogo, e ainda assim, sentindo dores.


"Acho que existe um capeta querendo me atrapalhar", sugere. "Em outros tempos, a mulher, a saúde ou a falta de dinheiro seriam ultrapassados em nome do Auto. Mas atualmente, não foi o que ocorreu. Não me sacrifiquei porque sinto a torcida distante de mim".


Leandro se refere à parte da barra autônoma que insiste em persegui-lo fora de campo. "Pegam no pé por causa da minha papete e de meu jeito. Mas eu farei um gol, se deus quiser, na minha volta", deseja o zagueiro, revelando ainda outro sonho. "Meu sonho será ouvir de novo o Chapadão me chamar de Baresi outra vez".

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Desorganizado e sem reservas, "Autonominhos" é derrotado

Em seu primeiro jogo oficial, quadro júnior do Autônomos perde após bom primeiro tempo

A Plebe -16/11/200814h03

Depois de dar trabalho no primeiro tempo ao entrosado time do Anhanguera, que tem 80 anos de tradição, o "Autonominhos", como está sendo chamado o quadro júnior do Auto, foi derrotado no segundo tempo avassalador da equipe da casa.
Debaixo de muito sol no CDC Roberto Russo, o Auto saiu com dois jogadores dos quadros adultos, Davi e Ribas, completando o time júnior, que vinha desfalcado. Assim, o time inicial foi: Ed; Arnon, Bruno, Davi e Bruninho; Ribas, Anderson, Djô e Gegê; Rafael e Jefinho.
E foi do time visitante a primeira grande chance: em rápido contra-ataque, Rafael serviu Djô dentro da área. O camisa 11 chutou de primeira e a bola explodiu no pé da trave.
O também rubro-negro Anhanguera trocava passes com calma e assustava em chutes de fora da área, conseguindo vários escanteios. E num deles, em cobrança curta e rápida, a zaga do Auto vacilou e o camisa 10 do time da casa apareceu livre na pequena área para desviar o cruzamento rasteiro e abrir o placar.
No intervalo, o Auto percebeu que precisava segurar nas laterais para não continuar tomando sufoco.
Mas, cansados por conta do sol e sem reservas, logo no primeiro minuto o time tomou o segundo gol.
Daí em diante, o que se viu foi um Anhanguera incisivo levando perigo e um Auto cansado tentando contra-ataques, alguns perigosos.
No final, o time da casa foi mais organizado e conseguiu fazer o placar: 5 x 0.
E o jogo terminou de forma lamentável, com o lateral-direito do Anhanguera querendo agredir Bruninho, mesmo com a imensa diferença de idade entre os dois - faltou bom senso ao time da casa.
O resultado, no entando, não abalou o time visitante. O meia Djô declarou:
- É bom esses jogos, pra gente pegar experiência.
Destaque do meio-campo, o ótimo volante Anderson disse:
- Precisamos agora jogar mais perto de casa, na zona sul, pra não ter tantos desfalques.
Perguntado sobre a questão, o presidente Kadj Oman, presente no jogo, declarou:
- Estamos procurando um campo na zona sul sim. Se conseguirmos, é bastante provável que todos os quadros to Auto se mudem para lá. Nada contra a zona leste, mas precisamos integrar os meninos ao grupo.
O próximo compromisso dos "Autonominhos" deve ser quinta ou sábado, contra o Hermanos de Pelé, no Guilherme Godoy.

Na raça e de virada, Auto A vence

Em jogo bastante equilibrado contra o Real Dínamo, a equipe mafaldina soube segurar o resultado e mostrou ser um time copeiro

A Plebe - 15/11/200812h47

Acabou a poucos instantes um grande jogo de futebol no Guilherme Godoy, casa do Autônomos Futebol Clube. Repetindo o confronto de sábado último, o time da casa e o Real Dínamo fizeram jogo bastante movimentado e decidido nos detalhes.
O Auto saiu jogando com desfalques no ataque e defesa, já que Alessandro, Ribas, Xaxá e Leandro não puderam jogar. O time inicial foi Daniel; Mandioca, Jão, Davi e Felipão; Jay, Zau, Gabri e Valdívia; Tomé e Clasher.
E o time começou a partida desatento, errando muitos passes. O castigo veio quando Mandioca tentou sair jogando pela direita, errou o passe para Jão e, numa rápida troca de passes, o time dinamense armou a jogada para Alemão finalizar de fora da área, sem chances para Daniel.
Mas o Auto ficou atrás no placar por pouco tempo. Após chute de fora da área de Valdirvia, Clasher correu para o rebote, o goleiro dinamense tocou nele e ele caiu. O árbitro assinalou pênalti do arqueiro visitante, que Felipão cobrou bem e marcou.
No segundo tempo, logo no início, o Rubro-Negro de Chácara Mafalda encontrou a virada. Após cobrança de escanteio de Felipão, Tomé apareceu sozinho na pequena área para escorar para o gol.
Daí em diante, o Auto se defendeu - bem - e tentou ameaçar nos contra-ataques. Em um deles, Mandioca roubou a bola na linha de meio-campo, avançou até a entrada da área e chutou rasteiro para defesa do goleiro do Real.
O time visitante passou a tentar alçar bolas na área, sem resultado. A zaga autônoma esteve bem e não levou sustos ao goleiro Daniel.
E assim, segurando o jogo, o Auto saiu vencedor, para orgulho dos jogadores. O meia Gabri disse:
- É bom ganhar um jogo assim, disputado, contra um time bom. A gente tava precisando.
Agora, o próximo compromisso dos mafaldinos será neste feriado, contra os Homens-Pala, só faltando decidir dia (quinta ou domingo) e local (em casa ou fora).

Com gol de Mandioca, Auto B empata

Depois de virar contra o Novo Horizonte, equipe vacilou e levou o empate no final

A Plebe - 15/11/200814h10

Auto B e Novo Horizonte fizeram um jogo de dois tempos distintos no Chapadão. No primeiro, o time da casa abusou dos chutões e quase não ameaçou o goleiro visitante, enquanto os visitantes encontraram um gol meio sem querer em cruzamento que parou nas redes de Lipe. No segundo, o Auto melhorou, pôs a bola no chão e virou o jogo, com gols de Gabri e Mandioca, meio sem querer. Mas vacilou e levou o empate do ótimo meio-campista Jânio, destaque do jogo.
O time inicial do Auto B, que contou com Mandioca na meia e o bom estreante Don na lateral-esquerda, foi: Lipe; Renatinho, Bona, Jão e Don; Sema, Alemão; Mandioca e Valdirvia; Tomé e Tomezinho.
O Novo Horizonte jogava com 9 em campo, e se esperava um domínio autônomo. Mas com Sema em péssimo dia, o meio campo do Auto deu muitas chances ao adversário, que tinha no camisa 8 Jânio seu homem forte, até que tomou o gol num levantamento vindo da direita que enganou Lipe e o encobriu.
No intervalo, após muita conversa, o time resolveu colocar a bola no chão e usar seu conhecido toque de bola. E com Clasher no lugar de Tomé, Gabri no lugar de Tomezinho e depois Zau no lugar de Sema, o Auto chegou ao empate após bela triangulação de Renatinho, Zau e Valdirvia, que encontrou Gabri livre na área pra tirar o zagueiro e bater no canto.
Minutos depois, em cobrança de lateral, Don serviu Mandioca na intermediária. O lateral-meia colocou a bola na área, Clasher atrapalhou o goleiro, a bola desviou em um zagueiro e entrou, decretando a virada rubro-negra.
Porém, na saída de bola, o volante do Novo Horizonte lançou a bola nas costas da desatenta defesa do Auto e Jânio apareceu livre para chapelar Bona e fuzilar Lipe, empatando o jogo.
O Auto até pressionou nos minutos finais, mas não conseguiu o gol da vitória.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Auto Júnior faz sua estréia neste domingo

Auto Júnior faz sua estréia neste domingo

A Plebe - 12/11/2008
12h37

O quadro sub-19 do Autônomos, apelidado de "Auto Júnior", fará seu primeiro jogo com o uniforme mafaldino neste domingo, no belo campo gramado do Nacional do Bom Retiro, contra a equipe do Anhnaguera.

Dirigida pela dupla Dente e Dentinho, a equipe, que já treina há mais de um mês, tem nesta partida o pontapé inicial do Projeto "Auto Para Sempre", que a equipe de Chácara Mafalda lançou nesta segunda-feira.

O projeto visa conseguir uma sede própria para o Rubro-Negro e, simultaneamente, constituir outras categorias de base e mesmo um time de futebol feminino, de forma a perpetuar a idéia autogestionária da equipe "para sempre".

- Este projeto é o nosso grande objetivo. Queremos consolidá-lo até 2016, ano de nosso 10º aniversário. Tudo depende de conseguirmos parceiros dispostos a trabalhar conosco horizontalmente, sem mandos e desmandos - disse um dos fundadores do Auto, Kadj Oman.

Quem quiser acompanhar este primeiro jogo do Auto Júnior, seguem as informações.

Anhanguera x Autônomos FC
Categoria sub-19
Domingo - 16/11 - 12h
Local: CDC Nacional do Bom Retiro (Rua Anhaia, 1239 - Bom Retiro)

Futebol anarquista nos EUA


A mais espetacular jogada pela esquerda desde George Best  

Por todo os EUA, hordas de comunistas e anarquistas estão começando a jogar futebol. Alguém aí pensou em "sem juízes e sem mestres"?



Quatro anos atrás eu troquei a quebrada, paroquial e entediantemente Blair-iluminada Bretanha pela super-reluzente América. E assim como milhares de refugiados ingleses antes de mim, fiquei chocado de encontrar os americanos não nos ranchos, mas em campos de futebol.  Campos que existem aos milhares, interligados, de oceano a oceano - tantos que alguém pode começar driblando em New York e terminar em Los Angeles sem ter tirado as chuteiras uma vez sequer. Ou quase.

E quem joga nesses campos? Milhares de machos sujos e bêbados de 200 quilos como na Inglaterra? Não muitos. Mulheres? Sim. Crianças? Sim. Comunistas - meu deus, sim. Incontáveis hordas deles.

Em Duluth, Minnesota, você encontra a Commie Soccer League, liga comunista de futebol ("todas as regras são democraticamente votadas"). Em Chicago um time anarquista chamado Arsenal organiza anualmente um torneio de futebol chamado "Matches and Mayhem" (algo como Confrontos e Desordem). Baltimore é abençoada por um "time de futebol punk-rock" chamado CCCP FC (uma vez que a sigla significa "Charm City Cunt Punchers", algo como "Charmosos Socadores de Buceta da Cidade", as credenciais políticas do clube podem ser consideradas um pouco suspeitas por aqueles que tiverem alguma inclinação feminista).

Em Portland, há um jogo organizado pelos auto-intitulados "hippies de esquerda preguiçosos e fedidos", enquanto em Cape Cod a Socialist Saturday Morning Sandy Pond Soccer League (Liga Socialista de Sábado de Manhã de Futebol no Tanque de Areia) tem um website que toca o antigo hino nacional soviético. E eu pessoalmente joguei um futebol de salão "20 pra cada lado" entre os Philadelphia's RASH (Red Action Skinheads, os skinheads comunistas) e os SPAR (Skins and Punks Against Racism, os punks e skins contra o racismo). 

Há jogos esquerdistas em Winnipeg ("sem juízes, sem mestres!"), Calgary (casa do Calgary Libre! FC), Wilmington e Austin. E em New Brunswick, Denver, Seattle, East Lansing, San Diego, Maine e Washington DC (onde há um jogo de Halloween com jogadores fantasiados todo outubro). E há um jogo anarco-comunista de domingo que acontece no New York's Tompkins Square Park há anos.

Mas é San Francisco que o futebol anarco-comunista americano realmente tomou. Desde 2002, o comunista Left Wing Futbol Club tem regularmente tido suas bundas rosas servidas em um prato pelos anarquistas do todo-negro Krondstadt FC, e mais recentemente ambos participaram do anual BADASS (Bay Area Direct Action Soccer Series, ou Liga de Futebol de Ação Direta de Bay Area), parte integrante do BASTARD (Berkeley Anarchist Students of Theory And Research&Development, ou Estudantes Anarquistas de Teoria, Pesquisa e Desenvolvimento de Berkeley), uma conferência anarquista.

O primeiro jogo da história entre Left Wing e Krondstadt foi interrompido por um policial solitário quando um mascote anarquista correu pela linha de fundo carregando uma enorme bandeira negra e entoando "Agitate! Agitate! Score a goal and smash the state!" (algo como Agite! Agite! Marque um gol e esmague o estado!"). O tipo de coisa que faz parte do conteúdo do futebol esquerdista americano.

A competição anual então se transformou em um tipo de instituição esportiva bizarro-americana. Em um jogo, a banda de marchas Brass Liberation Orchestra tocou A Internacional enquanto jogadores que pogavam socavam o ar e anarco-cheerleaders todas de negro e com botas de ciclista agitavam pompons feitos de saco de lixo e gritavam "Me dê um A! A! A de Anarquia!"

E não, isto não é o entediante futebol patriarcal do seu avô. "Eu cresci na Argentina, onde o melhor jogador faz uma dancinha com a bola e só a passa se for para outro melhor jogador por perto", disse para o West Bay Express a jogadora do Left Wing Marie Poblet. "Se nós queremos mudar o mundo, nós temos que mudar o jeito que jogamos".

Há também por lá alguns cantos de torcida engraçados, sendo o melhor: "Você diz que se espelha no Mao para a salvação? E o que me diz sobre a situação dos trabalhadores de Xinjiang?!". E substituições a todo tempo são permitidas, ao menos parcialmente, para assegurar que "mulheres, gays e pessoas de cor etc" estejam todos representados (embora essa afirmação possa ser uma brincadeira, é difícil dizer).

Porque futebol? "A natureza do jogo permite que pessoas com diferentes técnicas e habilidades joguem ao mesmo tempo", diz Paul Royal, do anarquista Detroit Riot FC. "Isso é importante porque nós da esquerda tentamos sempre ser inclusivos e apaixonados por nossos princípios políticos. E também porque não há jeito melhor de bloquear uma rua durante uma manifestação do que com um jogo de futebol instantâneo, improvisado na hora".

O curioso caso de amor entre os esquerdistas dos EUA e o futebol pode ter começado em 2000, quando a liga anarquista baseada em Washington intitulada Anarchist  Soccer League desafiou o Banco Mundial para um "contra". Os cachorros fujões capitalistas não apareceram e perderam por W.O. Anti-desportivamente, eles também falharam em cancelar a dívida mundial. Desde então, jogos de futebol instantâneos passaram a pipocar em manifestações anti-capitalistas e anti-guerra por todo os EUA.

Mas você vai perceber que a maior parte deste artigo foi escrita no passado. Há uma razão para isso. Quando eu recomecei minha pesquisa sobre o futebol anarco-comunista americano (que vai fazer parte do livro A Revolução do Futebol: A Ameaça Futebolística Gay, Feminina e Comunista ao "American Way of Life" - editores e agentes, peguem o caminho da minha casa agora!), eu dei de cara com uma escura, desestimuladora, selvagem explosão de links quebrados, websites desativados e esvaziadas e antigas salas de bate-papo, comunidades virtuais e proto-blogs sobre futebol anarco-comunista. A maioria não era atualizada há meses (e em alguns casos, anos).

Tinha o futebol anarco-comunista americano sido uma mera moda-de-virada-do-século da ala radical-chique? Ou essa falta de atividade era algo mais sinistro? Tinha a cena sido destruída pelo vicioso aparato neocon dirigido pela opressão estatal? Tinha o futebol anarco-comunista caído nas garras dos esquadrões sujos da CIA, dos agentes infiltrados do FBI, dos patrulheiros reformistas e dos hackers do Departamento de Segurança Nacional?

Eu telefonei. Eu mandei emails. Eu colei panfletos nos postes de luz. Eu escondi mensagens criptografadas nos buracos das árvores. E então - tão vagarosamente quanto o primeiro floco de neve trilhando seu caminho e determinando o fim da primavera - as respostas começaram a chegar. De maoístas e trotskistas e anarquistas e feministas, ativistas anti-guerra, anti-racismo, anti-imperialismo e anarquistas de todas as tendências. E todos eles diziam a mesma coisa: "Estamos aqui, camarada! E prontos pra jogar! Mas assim que estver um pouquinho mais quente. Você saiu de casa ultimamente? O tempo lá fora ainda está congelante".

O futebol anarco-comunista americano está vivo e bem. Esteve apenas hibernando. Nesta primavera eles estarão novamente a mudar a América - jogo democraticamente arbitrado (com substituições livres) a jogo. 

Steven Wells

Fonte: The Guardian (Inglaterra) - 14 de março de 2007
Tradução: Kadj Oman

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Entrevista do Auto para a ANA

Entrevista concedida pelo Autônomos FC para a ANA, Agência de Notícias Anarquistas.

 Autônomos FC: “futebol com alegria, mais espontâneo, menos mercadológico”  

 Criado por punks e anarquistas, desde 1º de maio de 2006, existe na Grande São Paulo um time de futebol autogestionado, com espírito anárquico.  O Autônomos Futebol Clube, ou “Auto”, como é carinhosamente chamado por seus “fãs”. “Um time com ideal autogestionário, anti-racista, anti-fascista, contra o futebol mercadoria”, explica Kadj Oman, um dos fundadores do clube. Na entrevista a seguir, ele fala, com a espontaneidade e malandragem libertária de um bom boleiro varzeano, do Autônomos FC e do esporte mais popular do país, cada vez mais industrializado e burocratizado pelos interesses materiais. Mas que, também, sob sol e chuva, terra batida, bola improvisada, descalços, resiste, alegra e encanta nas mais diversas “peladas” das periferias e rincões miseráveis do Brasil. Confira o bate-bola:

Agência de Notícias Anarquistas > Fale um pouco sobre o Autônomos Futebol Clube, sua organização e objetivos, em que contexto ele surge…

Kadj Oman < Bom, no fim de 2005, eu comecei a organizar um campeonato de futebol de salão que se chamava Copa Autonomia. Nele, não havia juiz e as regras eram poucas. Fizemos 10 edições dessa copa sem nenhum problema. Mulheres jogavam, crianças, a gente se divertia (inclusive, dá pra ver o vídeo da 1ª edição do torneio procurando pelo nome no YouTube). Aí, no Carnaval Revolução de 2006, em Belo Horizonte (MG), acabei participando de uma palestra/bate-papo sobre futebol e revolução, e conheci o Mau, o Jão e a Mix, do Ativismo ABC. Compartilhando um pouco das nossas angústias sobre o punk e o futebol, tivemos a idéia de fazer algo nesse sentido quando voltássemos. Aí eu aproveitei que na Copa Autonomia tinha um pessoal interessado na idéia e fundamos o time, pra jogar futebol society, no início. Foi uma época de muitas alegrias e muitas derrotas, tirando as amizades que surgiram. Jogaram suíços (5 ao mesmo tempo, de uma banda de ska), argentinos, australianos, canadenses, colombianos. E muitos brasileiros, punks ou não, afeitos ao ideal de autogestão. Mas o societyera mercadológico demais pra gente, e então fomos pra várzea, onde mais e mais gente foi se interessando pelo time e ele cresceu. Hoje temos dois quadros e um time “júnior”, composto por alunos de um dos zagueiros do time. Sobre a organização, bem, a gente divide tudo, desde lavar os uniformes até ficar de gandula nos jogos, passando pela vaquinha pra pagar o campo em que jogamos, que é alugado. E os objetivos sempre foram o de resgatar o futebol com alegria, mais espontâneo, menos mercadológico, sem se fechar a qualquer um que concordasse com a idéia de autogestão. Faz pouco mais de um mês, traçamos um estatuto, já que o time está cada vez maior e a gente não quer perder o objetivo principal dele, que é se divertir. Lógico que jogamos pra ganhar, até porque fazer as coisas você mesmo pra gente significa fazer o melhor possível, mostrar o quão bom se pode ser assim. Mas não colocamos a vitória acima de tudo - aliás, só nos últimos 4 meses que o time passou a ganhar mais do que perder mesmo. 

ANA > E que história é essa de futebol autogestionado?

Oman < Pra ser justo, toda a várzea é meio que autogestionada. Surgem campos onde quer que haja um pedacinho de terreno, por mais que a metrópole engula espaços e vomite de volta o futebol society e o futsal, além do profissional, é claro. Mas no nosso caso, a autogestão passa por uma questão estrutural, de não ter presidente, diretor, tesoureiro, nada. Temos sim capitão, técnico, goleiros, laterais-direitos, porque isso não tem a ver com hierarquia necessariamente, e sim com aptidões ou gostos pessoais por jogar aqui ou ali, ou fazer essa ou aquela função. E divulgamos essa idéia de autogestão por onde jogamos, distribuindo panfletos ou no boca-a-boca mesmo. Alguns jogadores que estão com a gente, inclusive, eram de times que enfrentamos e que gostaram do nosso jeito de lidar com as coisas. Então a nossa autogestão é tentar ser o mais livre possível dentro do que se quer ser, mas respeitando os princípios básicos e as responsabilidades inerentes a todo projeto coletivo, como chegar na hora, colaborar com a grana sempre que necessário etc. Claro que no meio disso tudo às vezes surgem conflitos, mas o que seria a vida sem conflitos?

ANA > E qual a relação do Autônomos FC com o anarquismo? A cor do uniforme é mera coincidência? (risos)

Oman < (risos) É não é não. Acontece que o time foi fundado por punks e anarquistas, então na hora de escolher o escudo e as cores do uniforme isso contou. Mas conforme foi crescendo, o Auto (apelido carinhoso do time) foi se abrindo. Nunca foi um time explicitamente anarquista, mas sempre foi um time com ideal autogestionário, anti-racista, anti-fascista, contra o futebol mercadoria. Na verdade, os fundadores e boa parte do time, hoje, é de românticos, que ainda enxerga o futebol como uma crônica continuamente narrada a muitas vozes sobre a vida. Até banda de “rock’n'gol” o time gerou, a Fora de Jogo, que toca trajada com os uniformes do time e fala de futebol (sob uma ótica política) em todas as suas músicas. Além de que, convenhamos, preto e vermelho é uma combinação de cores das mais bonitas que existe. Os anarquistas, além de tudo, sempre tiveram bom senso estético. (risos)

ANA > Como explicar um anarquista ser fanático por futebol, por um time profissional, que cada vez mais são verdadeiros instrumentos capitalistas de manipulação, consumo e controle social? Ou assim como o amor não tem explicação? (risos)

Oman < Olha, explicação mesmo acho que não tem. A gente cresce gostando de futebol, aprende nele e com ele a se expressar, a se entender no meio de um coletivo (a torcida), acaba virando um dos nossos primeiros lugares de socialização. E como é o único que é contínuo pela vida toda, difícil se desligar dele. Até porque existiram muitos times anarquistas na história, o começo do futebol é operário, e ele é mais do que tudo uma festa popular. No início do século anarquistas aqui em São Paulo nomeavam suas equipes de “Flor” ou “Estrela”. Então, sempre que você encontrar um boteco ou padaria com esse nome, são grandes as chances de ele ter um passado anarquista. (risos)

E se o profissional é cada vez mais instrumento de controle, ele permite também nas suas brechas diversos tipos de encontros essencialmente anti-capitalistas, pró-ócio, pró-festa. A Gaviões da Fiel, torcida do Corinthians, por exemplo, se aproximou do MST nos últimos anos, dos Sem-Teto, promove festivais de cinema político, entre outras coisas. Temos que tomar cuidado pra não tomar a festa do povo por ópio, esse velho clichê, porque não é simples assim. O futebol foi apropriado pelo capital, assim como todo o resto, mas o próprio capital, contraditório que é, recria possibilidades dentro do profissional mesmo de ir contra ele (um bom exemplo, embora já meio distante temporalmente, é a Democracia Corinthiana). Cabe encontrar essas brechas, aproveitá-las, aprofundá-las. Durante toda a sua história o futebol opôs controle à festa, foi usado para dominar de um lado e para contra-atacar o domínio de outro. São tantas as histórias possíveis de serem contadas dentro do futebol… Um livro legal sobre isso é o “A Dança dos Deuses - Futebol, Sociedade, Cultura”, do historiador Hilário Franco Júnior. O que podemos e devemos fazer é continuar a contá-las, do nosso jeito, sem deixar que as vendam como mero produto descartável.

ANA > Será mesmo que o futebol profissional recria possibilidades de ir contra ele mesmo? Não acredito. O futebol profissional brasileiro está tomado pela maracatuia, pelo mercado, pelo negócio, vide Rede Globo, CBF´s, Trafic´s, Adidas e por aí vai. E por outro lado, os jogadores profissionais, na sua maioria, são despolitizados, sem atitude, vão à mercê dos dirigentes, cartolas.  E no grosso as torcidas organizadas não são muito diferentes disso tudo não, também vão a reboque de políticos, dirigentes, cartolas… Na Itália, e em outras partes da Europa, que foi criado um movimento interessante por vários grupos “Ultras”, chamado “Contra o Futebol Moderno”, que luta contra as condições precárias dos estádios, ingressos caros, partidas sendo jogados em horários não-tradicionais, jogadores sendo vendidos como mercadoria, a comercialização excessiva no futebol etc. As torcidas uniformizadas do Brasil poderiam seguir esse exemplo, não?

Oman < Não vou te dizer que o profissional dá possibilidades o tempo todo de se ir contra ele, mas as recria vez ou outra sim. Se está envolto em tudo isso que foi mencionado, me diga, em que é diferente de qualquer outra esfera da sociedade? Tudo foi apropriado pelo capital, as relações sociais baseadas na venda são quase totalitárias, então as brechas são mesmo pequenas, ainda mais em um país onde as organizações sociais são tão marginalizadas e politicamente tão superficiais (não todas). As organizadas seguem o mesmo caminho. Não dá pra esperar delas uma postura que nenhum (ou quase nenhum) outro movimento organizado da sociedade toma, como essa de ir contra o futebol moderno. As poucas torcidas que vejo tentando seguir algum exemplo de fora acabam copiando as formas estéticas, as faixas, os gritos de guerra, mas não o conteúdo das reivindicações. Mas mesmo assim há organizadas indo contra sim. Um exemplo é a Resistência Coral, do Ferroviáio do Ceará, abertamente anti-capitalista, que leva faixas com dizeres como “paz entre as torcidas, guerra ao Estado”. Normalmente são torcidas menores, frutos de movimentos pequenos, como em geral é o anarquismo e o anti-capitalismo no Brasil. Mesmo assim, nas grandes torcidas aparecem às vezes manifestações nesse sentido. Já citei a Gaviões, que este ano levou faixas contra o preço dos ingressos nos jogos fora de casa do Corinthians. A Mancha Verde, do Palmeiras, também recentemente protestou contra o preço dos ingressos no estádio do clube. Eu acredito que os próprios constrangimentos que o capital imprime junta pessoas em direção a lutas por direitos básicos. Essa história da Copa 2014 e seus estádios a la européia vai dar pano pra manga. Já dá, aliás. Ano passado, acompanhando a final da Taça Brahma no estádio do Palmeiras, vi um monte de gente de Itapevi, cidade periférica da Grande São Paulo, se deslumbrando com o Setor Visa, pedaço do estádio com preços altos e cheio de mordomias. Outras pessoas, ao mesmo tempo, achavam aquilo absurdo, porque elitizava o estádio. A força das organizadas, que a mídia insiste em colocar na violência e na coerção, na verdade reside no fato de que elas são aglutinadoras de gente da periferia, que é quem mais sofre com as restrições do capital. Disso sempre pode surgir algo. E há de lembrar também que na mesma Europa contra o futebol moderno estão torcidas neonazistas, que também são contra o futebol moderno, obviamente por outros motivos. A Eurocopa desse ano mostrou neonazistas croatas com faixas com esses dizeres. Então, temos sempre que pensar as possibilidades dentro das realidades históricas, sociais, políticas de cada lugar. Não dá pra querer no Brasil a força de um movimento anarquista organizado como o grego, por exemplo, do dia pra noite. Mas nem por isso não existem possibilidades ou se deve jogar fora o que há.

ANA > Num papo sobre “Cultura e Futebol”, um crítico de arte e amante do futebol disse: “Anabolizado ao máximo pelas táticas e pelo preparo físico, o jogo vem mudando um pouco de figura, atenuando seus componentes anárquicos e tendendo à exacerbação de seus aspectos mais previsíveis. No fundo, o desafio aqui é o mesmo da arte. Disfarçada de permissiva, vivemos uma época obsessiva pelo controle, ainda que o nome do controle, muitas vezes, seja obediência tática, desempenho, pró-atividade, boa administração.” E aí, a indústria do futebol está matando a criatividade, espontaneidade do futebol? O que pensa disso tudo?

Oman < Isso é verdadeiro se falamos de futebol profissional, e em boa parte do amador, também, que acaba se tornando cada vez mais um “espelho quebrado” disso tudo. Mas o futebol sempre se reinventou a todo tempo, independentemente do tanto de controle (tecnológico ou não) que o capital tentou impor sobre ele. No começo ele era um jogo de drible de nobres ingleses. Os operários o transformaram em um jogo de passe, e assim ele chegou aqui. Com esse jogo de passe o Uruguai, viajando de forma precária, conquistou duas Olimpíadas na Europa na década de 20. Por aqui, estudantes e a elite começaram a jogar só entre si, mas não demorou para a maioria de negros, caipiras, indígenas e trabalhadores rurais adaptar o jogo pra sua realidade, cheia de entreveros a serem “driblados”. E surgiu o futebol brasileiro, baseado no drible, cujos expoentes máximos são Pelé e Garrincha. Garrincha que já se tentou domar desde a Copa de 58, inclusive, mas a quem tiveram de se render depois do insosso empate em 0 a 0 com a Inglaterra na segunda rodada. Se formos falar de várzea, então, veremos que o próprio capital recria o futebol. Acaba com os campos no centro da metrópole pra urbanizá-la. Expulsa trabalhadores e pobres para as periferias não-urbanizadas. E lá os campos pipocam novamente. E assim vai. Já nos estádios a coisa não vai tão bem, com a vigilância ostensiva cada vez maior, querendo transformar torcedor em mero consumidor e torcida organizada em bandido violento, quando se é muito mais que isso. A Copa 2014 vai representar um momento drástico nesse embate. Torço para que até lá estejamos fortes o suficiente pra ao menos sermos ouvidos contra essa transformação do estádio em shopping center.

ANA > Falando em arte. No Brasil há poucos livros abordando o futebol. Vocês não projetam lançar algo neste sentido?

Oman < Pessoalmente estou terminando um trabalho acadêmico sobre o futebol contemporâneo na metrópole de São Paulo, mas isso não tem a ver com o time, embora eu fale dele na pesquisa. E na verdade a produção de livros (e filmes) sobre o futebol tem crescido no país, está se re-descobrindo que o esporte é uma expressão da própria sociedade, às vezes artística, às vezes não. Porém, no time, temos algumas pessoas que não só gostam de escrever como fazem isso regularmente acerca do futebol. Quem sabe você mesmo não está lançando uma idéia muito boa pra gente? Por exemplo, costumamos noticiar nossos jogos na lista de e-mails como se fossem notícias de jornais inventados, “A Plebe”, “O Povo” e coisas assim. Isso pode dar coisa boa, rapaz! Inclusive, no site que sempre projetamos e nunca fazemos, essas coisas vão constar com certeza.

ANA > Recentemente quando esteve em São Paulo, John Zerzan comentou que tinha sido lançado um livro nos Estados Unidos que abordava “anarquismo, comunismo e futebol”. Se eu não estou equivocado, o título do livro é “Revolution: The Girly Gay Commie Soccer Threat To The American Way Of Life“.

Oman < É que o “soccer” nos EUA tem outra perspectiva. É esporte da classe média, das mulheres, dos gays, dos latinos. Das minorias. O povão lá acompanha os esportes de pontuação alta, basquete, futebol americano, hóquei. Isso gera bizarrices como mães que obrigam seus filhos a jogar futebol de capacete porque cabecear a bola pode machucar. Não é coincidência que nesses seriados de TV paga feitos pra classe média as mães sempre levem seus filhos para o futebol, ou que tantos filmes infantis sejam feitos sobre futebol onde uma menina ou um cachorro são os protagonistas principais e os filmes sempre são leves, pretensamente divertidos. Já os filmes sobre basquete ou futebol americano envolvem histórias viris, de superação a todo custo, de exaltação do amor à camisa (ou a pátria), temas muito mais povão por lá. Os Simpsons têm um episódio em que sacaneiam o futebol, mostrado como um jogo em que se fica passando a bola e não acontece nada e no final as torcidas vandalizam o estádio. Então por lá pode ser que os anarquistas ou comunistas vejam no esporte algo mais “libertário” simplesmente por ser contra os valores esportivos tradicionais. Mas isso está longe de ser necessariamente verdadeiro. Tem um livro de um jornalista americano apaixonado por futebol chamado “Como o Futebol Explica o Mundo” em que em um dos capítulos ele fala dessa coisa do “soccer” por lá, a discriminação, esse tratamento como esporte de filhinho-de-mamãe e de latinos, de inimigos da pátria. Vale conferir.

ANA > Você sabia que o libertário Albert Camus, teve uma breve carreira de goleiro de futebol, interrompida aos 17 anos quando contraiu tuberculose nas ruas de Argel? Uma vez perguntado por um jornalista sobre a importância do futebol em sua vida, ele respondeu: “O que eu sei sobre a moral e as obrigações de um homem devo ao tempo em que joguei futebol…”

Oman < Sim, inclusive esse assunto esteve em pauta entre a gente faz pouquíssimo tempo. A Argélia tem também, inclusive, uma outra história sobre futebol muito bacana: quando da guerra pela independência, um grupo de jogadores argelinos, alguns profissionais em clubes franceses, abandonaram suas equipes e fizeram amistosos pelo mundo em prol da causa argelina. Essa “seleção” foi até reconhecida pela FIFA, antes mesmo do país, assim como acontece com a Palestina hoje. Ficaram conhecido como “Revolutionnáire XI“, ou “Revolucionário Onze”, numa tradução livre. O Camus com certeza devia andar lado a lado com eles. E essa frase dele sintetiza muito bem como o futebol é representação da vida, da guerra, da arte, da sociedade.

ANA > Há algum filme sobre futebol que você goste, destacaria?

Oman < Olha, eu particularmente sou muito deslumbrado com filmes de futebol, mesmo os bobos. Tem um patrocinado pela Adidas que chama “Gol! O Sonho Impossível”, onde um mexicano ilegal nos EUA consegue ir jogar pelo Newcastle, da Inglaterra. É bem bobo, mas me diverte. Já filmes sérios, acho o do Garrincha bom, e os dois “Boleiros” interessantes. Mas não destacaria nenhum deles em especial, são mais crônicas apaixonadas do que qualquer coisa. Legais pra se apaixonar, nem tanto pra fazer uma crítica sobre o futebol. Deixo claro que essa é a minha opinião, não sei se outras pessoas do time pensam assim. Tem gente que gostou desse filme novo aí, “Linha de Passe”. Eu não assisti, tenho um certo ranço com essa coisa de cineasta brasileiro que faz filme do tipo “vejam a nossa pobreza, que sofrida, que bonita, que romântica” pra europeu ver, filme que sempre tem um final poeticamente feliz. Já documentários, tem um que eu acho muito bom, argentino, que chama “A Outra Copa” e mostra todas as dificuldades da equipe de “futebol de rua” (ou seja, moradores de rua que jogam) da Argentina em ir para a Copa do Mundo da “categoria” na Suécia (site do torneio:http://homelessworldcup.org). Um detalhe desse campeonato é que a Itália ganhou duas ou três vezes. Só que o time italiano é formado por latinos (brasileiros, argentinos, uruguaios), que foram pra lá e viraram moradores de rua. E tem também filmes bons onde o futebol é pano de fundo: “Fora do Jogo”, do Irã, sobre mulheres que querem assistir a um jogo da seleção e são barradas; “Crônicas de Uma Fuga”, argentino, muito bom, sobre um goleiro que é preso pela ditadura confundido com um militante político e elabora um jeito de fugir (o final é dos mais lindos que já vi em filmes); “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”, pra mim um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos, que tem tanto o futebol profissional como o futebol de várzea como pano de fundo, com um negro como goleiro do time dos judeus no bairro do Bom Retiro; e tem um que o Jão citou mas eu nunca vi que chama “Pra frente Brasil”. Por fim, tem um documentário uruguaio não tão bom chamado “Aparte”, sobre moradores das periferias que, entre outras coisas, são catadores de latinhas, onde há uma presença do futebol muito forte, tendo inclusive imagens de um jogo de várzea só de mulheres, coisa rara de se ver na vida e na arte.

ANA > É cada vez maior a presença feminina no universo do futebol, assim como a violência no futebol, entre as torcidas, ou grupo de torcedores pressionando agressivamente dirigentes, técnicos, jogadores… Contudo, raramente vemos mulheres nessas brigas, confusões. O fato é que os homens são um bando de idiotas mesmo? (risos)

Oman < (risos) Creio que a cultura masculina é mais permeada de agressividade e babaquices do que a feminina, mas de uma forma geral essa violência é resultado de muitas outras violências anteriores, como o preço dos ingressos, dos alimentos, o tratamento dispensado pela polícia, a localização dos estádios em centros nobres onde a entrada dos torcedores não é permitida em dias comuns. Já a entrada das mulheres no jogo não é bem uma entrada, é uma volta, pelo menos em alguns lugares. Aqui em São Paulo, por exemplo, no começo do futebol de várzea os clubes de bairro tinham departamentos femininos constituídos que eram responsáveis pela confecção e manutenção de bandeiras e troféus, ensino e execução do hino do clube, organização das festas que aconteciam junto aos jogos… O futebol era pano de fundo pra festa popular, muito mais do que um mero jogo. Festa feita por comunidades organizadas, que serviram de base para as próprias torcidas contemporâneas. E falando nelas, é importante também lembrar que a violência desses grupos organizados é só uma parte do que eles representam, a parte que serve pra mídia e pras instituições do futebol enfiarem goela abaixo a transformação do futebol em mercadoria, do torcedor em consumidor, cada um sentadinho quietinho na sua cadeira ou em frente à TV, consumindo. Um mecanismo de controle sobre uma das poucas coisas que o trabalhador, o pobre, o povo, enfim, tem como sendo dele, como intocável, independente de qualquer situação social ou econômica - até por isso a agressividade nas cobranças a dirigentes e jogadores, cobrança que às vezes lembra mesmo a de consumidores, mas que na maioria das vezes é a voz de quem está descontente com o tratamento dado a algo coletivo, um sentimento mesmo, aliás, dos poucos sentimentos que permanece num mundo onde tudo muda tão rápido.

ANA > Você acha que o futebol feminino não cresce no Brasil por causa do machismo, do preconceito? Como você diz, as mulheres historicamente sempre foram tratadas como subalternas, com papeis bem definidos, raramente como protagonistas do futebol, do jogo… Homem é uma desgraça mesmo. (risos)

Oman < (risos) É, não dá pra descartar a imbecilidade masculina nesse processo, mas acho que é algo mais econômico do que só cultural. Não dá dinheiro, então não cresce. O futebol feminino profissional é amador, na verdade. Mas por incrível que pareça no começo do futebol na Inglaterra existiam ligas de futebol feminino! Sumiram logo, mas existiram. No Brasil, eu acho que ao menos ultimamente a seleção feminina trouxe mais orgulho pros torcedores do que a masculina, até porque ela é mais humana, mais sofrida, mais cheia de sentimentos. O grande problema é que o crescimento que se espera do futebol feminino é o crescimento econômico, da profissionalização, da mercadoria. E esse não vai acontecer tão cedo - e eu, particularmente, nem sei se seria algo completamente bom. Mas se o tênis virou moda depois do Guga, tudo pode acontecer. Até porque em todos os esportes a presença feminina cresce e a distância entre os recordes masculinos e femininos diminui.

Mas voltando pro futebol, um dos zagueiros do time, que é professor, ficou sabendo que há um projeto pra 2009 de começar times de futebol feminino em todas as escolas estaduais de São Paulo. E no Auto, nossa mascote é a Mafalda, do Quino, pela postura contestadora dela e porque a maioria da nossa “torcida” acaba sendo das namoradas, mulheres, irmãs, então a homenagem a elas é mais do que justa. E se tiver meninas querendo formar um quadro feminino do Auto, por favor, apresentem-se! Nas poucas vezes em que jogamos futebol de salão houveram meninas jogando conosco. Não fazemos um time misto só porque isso é impossível na várzea. Mas um dia, quem sabe, dá pra tentar sim!

ANA > Como você vê essa história dos jogadores profissionais, em sua maioria, rezarem aos gritos um “Pai Nosso” antes dos jogos? Vocês do Autônomos FC fazem isso também? (risos)

Oman < (risos) Bom, eu vejo como um ritual herdado da várzea, onde todo time faz isso também. No Autônomos não fazemos isso, embora já tenhamos feito de sacanagem umas duas vezes, tentando ver se assim a gente não perdia. Não adiantou, parece que Deus não gosta muito de nós. (risos) No lugar de rezar a gente entoa um canto em homenagem à torcida. Dá pra ver isso nesse vídeo aqui, uma espécie de mini-documentário sobre o time:http://fiztv.uol.com.br/f/Video/assista/16751/0  

ANA > Vocês já se imaginaram participando de um “Mundialito de Futebol Anti-Racista”, desses que acontece na Europa, que reúne times de várias partes do mundo? (risos)

Oman < Cara, conhecemos isso esse ano através de uma equipe amadora anti-fascista inglesa que nos mandou um e-mail! Morremos de vontade de ir, mas não há condições financeiras pra isso. Em compensação, chamamos essa equipe pra jogos por aqui e eles aceitaram, agora estamos vendo quando eles poderão fazer isso, se poderão mesmo, como faremos. Com certeza se eles vierem será um momento único por aqui, novo, até uma oportunidade de encontro com organizadas, equipes amadoras, torcedores pra uma troca de experiências.

ANA > Uma coisa que sempre me chamou a atenção no futebol profissional é o fato de muitos jogadores negros, com “cara de nordestinos”, se casarem com loiras, mulheres brancas. Quem exemplifica isso muito bem é o maior astro do futebol de todos os tempos, Pelé. Aliás, a única filha que ele teve com uma mulher negra até hoje ele não assumiu, muito pelo contrário, sempre se esquivou da história. É um mito dizer que no futebol brasileiro não há racismo?

Oman < Está longe de ser mito, muito longe mesmo! O futebol faz parte da sociedade, e se a sociedade é racista, é claro que no futebol isso vai aparecer. Não tem Obama ou Hamilton que mudem isso. (risos) Só pra dar um exemplo mais recente, o Felipe, goleiro do Corinthians, quando foi rebaixado pelo Vitória-BA foi chamado de macaco preguiçoso por um dirigente do time, que ele processou (o caso, até onde sei, está na Justiça ainda). Isso sem falar nas histórias passadas, de jogador negro passando pó-de-arroz na cara. É claro que o capital não vê cor quando o jogador dá lucro, mas ali no cotidiano dos jogadores, no dia-a-dia, rola racismo o tempo todo. Na Copa de 1958 o time que jogou os dois primeiros jogos só tinha brancos, fruto do preconceito adquirido na Copa de 50 quando o goleiro negro Barbosa foi culpado pela perda do título. Então isso vem de longe, desde o começo da bola rolando por aqui, do embate entre times da elite e times da várzea, que opunham fundamentalmente brancos a negros, pobres, mestiços, caipiras. Isso foi inclusive usado de desculpa pelos times da elite para não mais disputar jogos contra os times que aceitavam esses jogadores. O que acabou sendo mau negócio pra eles, porque perderam qualidade técnica e público (que na época eram a maior fonte de renda) e acabaram falindo. Veja só que coisa, o próprio processo capitalista no futebol fez os times pobres falirem os ricos. Mas o racismo continuou, está aí até hoje. O Pelé, pra mim, em termos raciais, é um Michael Jackson que não tentou se pintar de branco, nada mais do que isso. Sou Maradona mil vezes. (risos)

ANA > Para finalizar, quais os projetos futuros? Pretendem organizar algum evento com exposições, debates e palestras em torno do futebol?

Oman < Então, a vinda dos ingleses (a equipes se chama Easton Cowboys&Cowgirls, existe há mais de década e tem vários esportes, não só futebol, com participação feminina) nos deu a idéia e a vontade pra algo nesse sentido. Queremos chamar o pessoal da Resistência Coral e quem mais se sinta interessado pra participar também. Mas mesmo que eles não venham, acho que em 2009 devemos fazer algo nesse sentido. Esse ano fizemos um debate no Ativismo ABC sobre futebol e política, mas teve muito pouca gente. Queremos repetir isso em breve sim. Enquanto isso continuamos jogando na várzea, conhecendo e sendo conhecido. E quem sabe mais pra frente não conseguimos marcar uns jogos interestaduais? Soubemos que aí na Baixada Santista o pessoal libertário joga na praia às vezes, em Santa Catarina o pessoal do Passe Livre tem um time também… quem sabe uma liga de futebol autogestionário não se configura daqui uns anos? (risos) E tem também o “Auto Júnior”, que acabamos de formar com a molecada, todos da extrema zona sul. Queremos levar eles pra outras coisas além de jogos, é um projeto que está começando e no qual estamos bastante empolgados. Por fim, temos o sonho de um dia ter um campo nosso, um terreno baldio qualquer, comprado ou cedido, pra poder fazer as coisas ainda mais do nosso jeito, levar os projetos adiante e colocar o time numa situação de maior presença no tempo e no espaço da cidade. Se alguém que estiver lendo isso tiver como e quiser ajudar, entre em contato!

ANA > Alguma coisa mais? Valeu!

Oman < Cara, queria agradecer muito em nome do time por esse espaço. O movimento anarquista no Brasil sempre teve muito preconceito com o futebol, é muito bom ter um espaço desse pra falar. O futebol sempre foi do povo por aqui, o capital destruiu isso e encobriu a história. É importante pra qualquer movimento que se pretende social se aproximar e entender melhor as coisas do povo, então que o futebol possa ser visto com mais carinho no meio libertário. E desculpa se eu falei demais, mas é que o tema propicia muita conversa… Por fim, um abraço pra todo mundo e quem se interessar pode entrar em contato com a gente, pra jogar, pra torcer, pra convidar ou planejar eventos, estamos aí! Abraços autogestionários!

Contato: autonomosfc@gmail.com  

Blogs: http://autonomosfc.10.forumer.com/ e http://autonomosfc.blogspot.com/   

Clipe da Banda Fora de Jogo: http://www.youtube.com/watch?v=uIg_tBadIvQ

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Fratura deixa Boça fora por 3 meses

A Plebe - 10/11/2008
08h25

Em exames realizados neste domingo, o lateral-direito e meia Boça teve constatada uma fratura na canela, que o deixará de fora do escrete autônomo até 2009.

Em declaração sobre a contusão, sofrida no final do segundo tempo da derrota rubro-negra para o Real Dínamo, fora de casa, no sábado, Boça disse:

- Na hora, doeu muito. Não conseguia me mexer, mêo. Me lembrou a dor no cóccis que tive depois de ir conhecer a Geral do Grêmio e participar da avalanche. Tive que pensar muito nos bolos da minha avó Carmem pra não desmaiar, mêo.

Sobre o resgate de helicóptero, Boça declarou:

- Quando entrei no helicóptero, não acreditei mêo. Nunca imaginei entrar em um. Falei pro piloto, "ae piloto, classe média na área na humilde, mêo". Sabe como é, né, mêo, a gente tem que mostrar de onde veio, nossas origens. Sou filho de vó com orgulho, mêo.

O departamento médico do Autônomos FC estima em 3 meses o tempo mínimo de recuperação do jogador.

STJD prejudica e Auto é goleado em Alphaville

A Plebe - 08/11/2008
13h17

Prejudicado pela STJD (Sina Triste dos Jogadores que Desaparecem), o Autônomos FC foi goleado por duas vezes hoje, em Alphaville, em jogo que contou com a presença da mídia televisiva em grande escala pela primeira vez (duas câmeras de diferentes canais filmaram os jogos).

Contando com apenas 13 jogadores e o lateral-direito Mandioca, com o pé engessado, o Rubro-Negro de Chácara Mafalda fez de tudo, mas não pode conter a maior organização de seus adversários.

No primeiro jogo, contra a equipe do Real Dínamo, o Auto entrou em campo cheio de improvisações, com volantes nas laterais e laterais na zaga. O time inicial foi Daniel; Alemão, Boça, Marcelo e Renatinho; Jay, Zau, Gabriel e Valdirvia; Josué e Clasher. No segundo tempo, Tomé entrou também improvisado no lugar do cansado Alemão, na lateral-direita, e Xaxá entrou na vaga de Clasher.

Remendado, sem organização e em dia péssimo de sua dupla de volantes, a equipe mafaldina começou cedo a tomar sufoco do Real Dínamo. O resultado foi o placar de 4 a 0 no primeiro tempo, com o goleiro dinamense tendo apenas assistido o jogo, de camarote.

No segundo, um pouco mais concentrado, e contando também com a entrada de reservas no time da casa, que diminuiu o ritmo, o Auto chegou mais ao ataque. Mas, num dos poucos contra-ataques do Real Dínamo, a bola quicou de forma estranha, o mais uma vez desatento goleiro Daniel bateu roupa e ela sobrou para o atacante dinamense fazer 5 a 0.

Logo depois, o Auto diminuiu com Valdirvia, de cabeça, após boa cobrança de falta de Zau.

Mas o meio-campo voltou a errar e, num passe de Jay que parou na poça d'água, o ataque do time da casa aproveitou e fechou o placar em 6 x 1.

Josué ainda sofreu um pênalti, que Gabriel desperdiçou, cobrando na trave.

E o jogo não terminou porque, faltando 5 minutos para o fim, o zagueiro Boça se contundiu em dividida com um atacante do Real Dínamo. Um helicóptero teve de ser chamado para levar o desacordado jogador ao hospital, já que a ambulância não chegava nunca, e o juiz encerrou o jogo.

No jogo seguinte, contra o Novo Horizonte, a falta de jogadores fez com que o engessado Mandioca tomasse uma decisão surpreendente: arrancar o gesso e jogar. No final, não fez muita diferença (ele entrou mesmo em campo?), e o Auto foi goleado novamente.

O time saiu ainda mais remendado, com Zau na zaga e Tomé de volante, e um único reserva. Começou com: Daniel; Mandioca, Zau, Marcelo e Renatinho; Jay, Tomé, Gabriel e Valdirvia; Xaxá e Clasher. No fim do primeiro tempo, outra contusão: Xaxá distendeu a virilha e deu lugar a Josué, deixando o Auto sem reservas.

Na primeira etapa, sob forte chuva, o Auto começou novamente desacordado e logo o time da casa abriu 3 x 0. Na segunda metade do primeiro tempo, porém, o time fez os melhores 15 minutos do dia e quase conseguiu o gol, com duas bolas na trave, uma em cobrança de falta de Jay e outra em voleio perigoso de Xaxá.

No segundo tempo, com menos chuva, o Auto tentou pressionar em busca do gol de honra, mas se abriu atrás e tomou o quarto  e o quinto gol, sendo este último uma falha incrível do goleiro Daniel, que parecia um saco de batatas sem braços ou pernas caindo em direção à bola.

No final do jogo, em bela jogada de Tomé, Clasher apareceu dentro da área, cortou o zagueiro e foi derrubado. Pênalti que Jay converteu, dando números finais ao placar: 5 x 1 para o Novo Horizonte.

O time saiu de campo tão cansado que não concedeu entrevistas. O único a falar rapidamente foi Gabriel:

- Se é pra vir só meio time é melhor não marcar mais jogo fora. Ou então marca um quadro só.

Mandioca, com a cabeça, concordou com o camisa 10.

No próximo fim de semana, o Auto recebe os mesmos Real Dínamo e Novo Horizonte em casa.

E terá de ter muita força de vontade pra devolver as goleadas.

Isso, se a STJD não atacar de novo.